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Mulheres são ensinadas a cuidar

O que esperar de uma sociedade onde a mulher é ensinada a amar sempre, desde criança e o homem não? Pois é, desde que somos crianças a gente cuida da boneca, cuida da casinha na brincadeira, cuida do irmão mais novo e vê mulheres nesse papel de quem cuida. A gente é ensinada a se doar pelos outros e amar incondicionalmente, principalmente se esse outro for homem.

E os meninos? Os meninos não cuidam, eles nem ao menos se cuidam (até porque sempre tem uma mulher que cuide), no máximo eles protegem. O irmão que protege a irmã de outros caras, o namorado que protege a namorada acompanhando-a até em casa, o príncipe que protege a princesa da bruxa ou do dragão… Ué, mas não é a mesma coisa? Não. A mulher que protege ela se doa e, muitas vezes, se anula. Os homens não, os homens protegendo eles se enaltecem, viram heróis. Nenhuma mulher vira heroína por fazer o almoço todos os dias ou deixar a casa arrumada, mas o homem que abre a porta do carro é enaltecido.

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Além de nos ensinarem a cuidar, amar e nos anular pra isso, somos ensinadas também à heterossexualidade, que precisamos de um homem na função de companheiros para estarmos bem. Uma mulher que chega aos 30 sem marido ou, pelo menos um namorado, já tá passando da idade, é uma solteirona, mas o homem mesmo aos 40 ou 50 pode estar curtindo a vida. Além de que as mulheres envelhecem e ficam mais feias, os homens ficam charmosos, a idade lhes cai bem (mas isso é assunto pra um outro post). Bom, então estamos ensinando nossas meninas a amar homens, mas não ensinamos nossos meninos a amarem mulheres, como isso pode funcionar?

Pois é, não pode. Quando a gente ensina pras meninas que a coisa mais valiosa que ela pode ter é o amor de um homem, a gente está ensinando que vale a pena tentar de novo e aguentar mais um pouco, porque ele é o verdadeiro amor da vida dela e ela só será completa com ele. Quando encaramos casamento como a salvação para a mulher e uma armadilha para o homem, quando a gente romantiza a violência ou os ciúmes (tipo a frase matar de amor ou ser ciumento porque ama muito), a gente direciona mulheres para o feminicídio. A mulher ciumenta é louca, o homem, ama, está cuidando do que é seu. É assim que a gente alimenta relacionamentos abusivos.

A única forma que um relacionamento pode dar certo e se as duas partes compartilharem coisas. A gente precisa ensinar os meninos sim a amar, respeitar e admirar mulheres desde crianças, e precisamos ensinar as mulheres a serem fortes, independentes, pensarem em si, se amarem e se sentirem completas, além de também conhecer e admirar mulheres. Não é só mãe, nem só pai que tem que ajudar nisso, se você tem contato com crianças e adolescentes, vale a pena refletir sobre isso.

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A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil em média, o feminicídio e a violência masculina ferem e matam mulheres diariamente, não é um cara doente ou psicopata que estupra e mata mulheres por aí, são os homens ensinados a odiarem mulheres, são os homens normais da nossa sociedade patriarcal.

 “Dizer que um homem é heterossexual implica somente que ele mantém relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que é próprio do amor, a maioria dos homens hétero reservam exclusivamente para outros homens. As pessoas que eles admiram; respeitam; adoram e veneram; honram; quem eles imitam, idolatram e com quem criam vínculos mais profundos; a quem estão dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender; aqueles cujo respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverência e amor eles desejam: estes são, em sua maioria esmagadora, outros homens. Em suas relações com mulheres, o que é visto como respeito é gentileza, generosidade ou paternalismo; o que é visto como honra é a colocação da mulher em uma redoma. Das mulheres eles querem devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual masculina é homoafetiva; ela cultiva o amor pelos homens.”

Marilyn Frye

Beijos

Refletindo – Jessica Jones

Oi gente,

Não tenho o costume de assistir seriados, mas comecei a ouvir todo mundo falando de Jessica Jones e me deu muita vontade de ver.

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É um seriado do Netflix em parceria com a Marvel e conta a história dessa super heroína, Jessica Jones. Eu até gosto um pouco de super heróis, mas não foi isso que me fez querer ver a série. Vi muita gente falando que era uma série que retratava o abuso, relacionamentos abusivos e tinha mulheres fortes, representatividade negra e gay.

Pra começar, a Jessica tem sim super poderes, mas eles não são tão incríveis se a gente compara com os outros super heróis que estamos acostumados. Ela é forte, bem forte, mas não é invencível nem nada, é como se fosse uma pessoa realmente bem forte e ela também pula muito alto. Ela é detetive particular e resolve diversos tipos de casos, desaparecimento, marido traindo, enfim… Existem na série outras pessoas também com habilidades especiais, pessoas diferentes da Jessica, com outras habilidades.

Se você não viu a série e pensa em assistir, talvez seja melhor ler o resto do post depois, com certeza darei spoilers.

O vilão da série é o Kilgrave, que também tem poder. A habilidade de Kilgrave é o controle de mentes, ele pode controlar sua mente e te mandar fazer qualquer coisa, não importa o que ele manda, todos obedecem. E foi isso que aconteceu com a Jessica, ela passou um tempo tendo um relacionamento com ele, não porque ela queria, mas porque ele ordenava. O poder de Kilgrave não é absoluto, as pessoas ficam sobre seu poder apenas por um tempo, depois desse tempo ele tem que dar novas ordens, ou a pessoa estará livre. Também tem um alcance limitado, ele não pode chegar no rádio e controlar a cidade inteira.

Bem, a Jessica consegue se livrar desse relacionamento, mas não consegue tocar sua vida normalmente. Os fantasmas do seu passado estão presentes o tempo inteiro, ela tem problemas com bebida e muita dificuldade de seguir adiante. Está tentando se reestabelecer com uma carreira de detetive particular e aí ela tem contato com os pais de uma menina que está desaparecida, Hope.

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Ela investiga e encontra a Hope, mas ela não era apenas uma jovem desaparecida, ela era uma nova vítima de Kilgrave. A Jessica chega a devolver ela pros pais, mas a Hope mata os pais e vai presa. E aí a Jessica começa uma missão de conseguir capturar o vilão, sem matá-lo, para poder provar a inocência da Hope. A Jessica sabia exatamente o que era estar presa nesse relacionamento e sabia que a Hope era inocente, era uma vítima. E aí entra a discussão da culpabilização da mulher.

O Kilgrave representa o homem do relacionamento abusivo. Claro que o poder que ele tem mais intenso do que o que vemos na vida real, mas muito semelhante. Se Kilgrave manda uma pessoa se matar, ela se mata. Na vida real isso não acontece de fato, mas o número de mulheres mortas por parceiros é enorme. A mulher que está em um relacionamento abusivo muitas vezes se sente imobilizada, não consegue reagir, não consegue se livrar, assim como as vítimas da série. E assim como a Jessica e a Hope não são culpadas, a culpa também não é da mulher, ela é a vítima do relacionamento, ninguém apanha porque quer. Muitas vezes ela tem uma dependência emocional e psicológica tão grande que, apesar de saber que deve se livrar, ela não consegue.

Kilgrave é o maior vilão e sua relação com Jessica é a trama principal, mas não é o único ponto interessante da série. Como eu disse no início, podemos ver representatividade negra, personagens negros homens e mulheres e também representatividade lésbica.

Existem também outros relacionamentos bem problemáticos, como o de Trish Walker, melhor amiga de Jessica, e sua mãe. Embora sua mãe não tenha nenhum poder, ela tem uma capacidade de manipulação enorme e tem uma relação completamente abusiva com a filha. Quando Trish é criança ela trabalha em um programa na TV e sua mãe a controla completamente, a obriga a fazer o programa, como agir no programa, o que comer, o que fazer… É um relacionamento extremamente doentio e abusivo, embora a mãe de Trish não tenha nenhum super poder.

Trish, assim como muitas vítimas de relacionamentos tóxicos, morre de vergonha de sua relação com a mãe, mas não tem forças para se livrar dele. Jéssica, que é criada como irmã de Trish depois que sua família sofre um acidente, tenta ajudá-la e ameaça denunciar a mãe, mas a amiga implora para que não conte. Ela prefere esconder o relacionamento e continuar sofrendo com ele do que denunciá-lo. Pode parecer loucura, mas é muito comum que as vítimas estejam tão fragilizadas, que não conseguem denunciar, ou, logo após a denúncia, retirem a queixa.

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Claramente as personagens fortes são as mulheres, Jessica, Trish, Jeryn Hogarth (chefe de Jessica) e é bem interessante como os homens brancos são retratados. Há dois homens brancos realmente importantes na trama, Kilgrave e Will Simpson, que se torna namorado de Trish num relacionamento também problemático. Há um momento em que Jessica, Trish e Simpson estão conversando e ele o tempo todo interrompe Trish, gritando mais alto que ela e a calando. Isso é tão comum na vida real que poderia até passar despercebido. Claramente Will acredita que ele, como homem, é quem deve resolver as coisas e chega a prender Trish em casa, impedindo que ela também aja.

Existem várias outras tramas na série, como a de Jeryn Hogarth, sua secretária, Pam, e a ex mulher, Wendy; Luke e a esposa assassinada Reeva Connors; e os pais de Kilgrave, mas esse post já está enorme. Acho que deu pra ver que eu gostei da série, né? Achei os assuntos tratados bem desenvolvidos e uma série de super heróis bem diferente das que eu já conhecia. Já viram essa série? O que acharam?

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Beijos

Refletindo – Primeiro assédio

Oi gente,

Ainda tô encontrando um pouco de dificuldade de acertar meus horários com a vida nova no Rio, então vou postando como der, realmente espero conseguir me organizar e tirar um tempo pra escrever os posts da semana e organizar tudo com antecedência, mas nem sempre vai ser possível.

Vim hoje escrever sobre um tema que pra mim é muito importante. Faz um tempinho que as redes sociais estão cheias da #primeiroAssédio, acho que todo mundo deve ter visto. Pra quem não tem redes sociais e não viu vou tentar resumir a história. Existe um programa tipo um reality show de culinária chamado Master Chef, é uma competição pra ver quem cozinha melhor. Tem os participantes e os jurados, os participantes vão sendo eliminados e sobra um. Pois bem, há pouco tempo começou uma nova versão, o Master Chef Junior, onde crianças cozinham. Eu nunca vi (não tenho TV, lembram?), mas logo comecei a ver pessoas denunciando comentários asquerosos de homens relacionados a uma das participantes, Valentina, de 12 anos.

Bom, aí o coletivo feminista Think Olga, motivados pelo enorme assédio que a criança estava sofrendo criou essa #PrimeiroAssédio, na qual mulheres relatam sobre a primeira vez em que foram assediadas. Vi alguns relatos no meu Facebook de amigas ou amigas de amigas contando suas histórias ou comentando toda a história.

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Tema de redação do ENEM

Aí logo depois veio a prova do ENEM que botou o feminismo em pauta para mais de 7 milhões de estudantes, tanto na parte das questões objetivas, trazendo Simone de Beauvoir, quanto na redação, refletindo a respeito da violência contra as mulheres. E vi muita gente reclamando do tema, falando que era assunto de esquerda ou que o ENEM estava obrigando a ter um posicionamento.

Desde que o ENEM existe ele sempre direcionou um posicionamento, desde muito antes de existir o SISU nas regras sempre esteve escrito que o candidato não poderia se posicionar contra os direitos humanos e tinha que colocar alguma proposta de como resolver os problemas. As regras não mudaram, não pode se posicionar a favor da violência contra a mulher porque isso seria contra os direitos humanos, simples.

Mas confesso que me choca a pessoa ser claramente a favor da violência contra a mulher a ponto de reclamar da redação. Então agora não posso defender que bater em mulher é bom? Não, não pode, isso não tem nada a ver com comunismo nem com ser de esquerda. A cada 4 minutos uma mulher sofre alguma violência apenas por ser mulher, isso é muito sério. A maioria das mulheres que conheço já sofreu algum tipo de violência, é só olhar de novo essa #PrimeiroAssédio, mesmo sabendo que muitas delas preferiram não se pronunciar, seja por não querer, seja por não conseguir.

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Cartilha sobre a lei Maria da Penha, seu relacionamento é abusivo?

O fato é que temos sim que falar no assunto, temos que falar muito, discutir muito pra mudar esse quadro, eu sou mulher e não quero ter medo de andar na rua, não quero ter que escolher um short ou saia mais comprido porque vou passar por um lugar meio estranho, não quero ter medo a cada homem que passa por mim de noite ou em lugar deserto, não quero ser obrigada, cada vez que saio na rua, a ouvir cantadas ou receber olhares, não quero ser obrigada a dizer que tenho namorado apenas porque não quero ficar com alguém (não de mulher nunca vale, só vale se entra outro homem no meio). São tantas coisas que eu poderia ficar horas falando aqui, mas vou deixar que vocês completem com tudo o que já passaram.

Se você nunca passou por nada disso, quase certeza que não é mulher, então te aconselho a fazer o seguinte: primeiro a ouvir as mulheres a sua volta (é, seu papel agora é só de ouvir) e depois a se questionar, questionar suas atitudes e dos outros a sua volta, conversar, desconstruir e agir sempre que ver uma violência.

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Nada é desculpa para a violência ou o relacionamento abusivo! Fonte: http://www.desocupadaeamae.com.br/2015/02/27/voce-esta-num-relacionamento-abusivo/

O post demorou pra sair, mas consegui falar um pouco do que penso, divide seus pensamentos também aqui nos comentários.

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Beijos